sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Capítulo III

Ela balançou a cabeça e sorriu. Ele percebeu que era um cacoete que ela tinha, especialmente nos momentos em que era provocada. Ela já tinha balançado a cabeça e mostrado o sorriso antes, mas dessa vez parecia mais relaxada. Finalmente, fechou o livro e o colocou na mesa com cuidado, virando a capa pra baixo.
"Então, você costuma cobrar até por uma corrida na chuva, mas não quer pagar essa nossa consulta?"
"Eu disse que pela sua corrida, eu não cobraria!"
"Desde que a nossa conversa fosse 'de graça'?", ela fez o sinal de aspas ao falar.
"Nada mais justo, né? Um serviço pelo outro!"
"Acho que você já está em vantagem, então!"
"Então, você está me analisando? Eu sabia!"
"Não estou analisando você pessoalmente, mesmo porque eu não sei nada sobre você, mas o seu comportamento típico de macho que se sente praticamente na obrigação de abordar uma fêmea sozinha!"
"Parece que você acaba de descrever o roteiro de um documentário sobre vida selvagem! Você está me rotulando!"
"Você se encaixa na descrição do rótulo! É um caso típico! E você está louco pra ser analisado!"
"Quem disse que eu estou louco pra ser analisado?"
"Ser analisado, nesse caso, é conseguir manter algum tipo de conversa comigo. Que, no fundo, é o que você quer! Se eu te der atenção, você vai achar que tem chances de me levar pra cama!"
"Você acha que todo homem, em toda oportunidade que tiver, vai querer levar uma mulher pra cama?"
"A questão é que nem mesmo os homens acham isso! Eles não sabem, não são conscientes disso, necessariamente. É apenas o instinto agindo!"
"Então, falar da chuva, do café, foi tudo uma armação do meu instinto pra tentar transar com você?"
"Não diria uma armação..."
"E na maioria das vezes isso funciona ?"
Novamente, ela balançou a cabeça e sorriu.
"Viu só como você está interessado! Você quer que isso funcione! Acho que da sua parte, não foi tão instintivo assim!"
"Você continua me rotulando! Acha que eu sou só mais um nas estatísticas! Eu só quero saber, cientificamente, se esse tipo de aproximação costumada dar resultado!"
"Cientificamente? Quando você começou a conversar comigo nem sabia que eu era psicóloga!"
"Foi só um comentário que nos levou pra essa conversa, e se a gente continua conversando, é porque temos alguma coisa a dizer um pro outro!"
"Essa não é exatamente uma conversa espontânea!"
"Mas ela existe! Não acho que temos que ter um padrão pra começar uma conversa! Mesmo assim, me deixa te pagar outro café e a gente começa do zero! Nada de análise, nem corrida na chuva, nem rótulos!"
"Acho essa coisa de pagar um café, começar do zero, um lugar comum dessas comédias românticas! Tudo isso me sugere que você só está sendo galanteador!"
"Essas são apenas maneiras de se começar a conversar!! Não falamos de nada pessoal ainda! Só de rótulos, atitudes... Eu não sei nada sobre você! Ainda não invadi a sua privacidade!"
"AindaEntão, existe a intenção?"
"Bom, você não é oficialmente a minha psicóloga, então, não seria antiético..."
"Eu sabia! Você acaba de confirmar tudo! Estamos discutindo esse tempo todo pra quê?"
Dessa vez, foi ele que balançou a cabeça e riu. Mas ela, pela primeira vez, percebendo o inusitado da situação, começou a balançar a cabeça e rir também. A chuva havia passado e eles não haviam percebido. Ela abriu o livro na contra-capa e escreveu um número de telefone.
"Já li esse livro. Só estava repassando algumas coisas. Algumas delas acontecem na nossa vida todos os dias", e entregou o livro pra ele.
Ele virou o livro pra ver o nome, que dizia: "Ele e ela - O papel de cada um na relação".
Quando chegou na porta, ela virou e disse:
"Você pode pagar o café que eu bebi?"
Ele balançou a cabeça e sorriu. 

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