terça-feira, 29 de abril de 2014

Blues necessário

Tradicional contradição:
amar e estar preso à paixão.
Aquele Blues do homem sozinho
é mais que azul marinho,
é negro, é rendição.


Aquele mesmo homem do Blues,
na sua eterna busca pela luz,
prefere o holofote opaco,
aquele amarelo do fundo do palco.


Azar, sempre azar no amor,
uma sorte de notas em tom menor,
ainda assim é necessária a dor
so that we play the Blues once more!

segunda-feira, 28 de abril de 2014

O meu papel

Tenho pensado muito no meu papel.
Como um cacto se afogando por gosto,
o contexto determina o bem e o mal.
Gosto do raro entusiasmo humano,
como encontrar alguém no deserto.
Não do entusiasmo contra o silêncio.
Não gosto quando a rotina surpreende:
o acordar do sonho no velho pesadelo.

Uma voz me diz para me abraçar.
Se me abraço, sou o símbolo do infinito;
se abraço alguém, o conjunto não pertence.
Vozes internas não marcam horário;
são diferentes das pessoas com relógios.
Suponho que estas sejam mais pontuais.
Errado, já que elas manipulam o tempo,
mas não manipulam as consequências.

Tenho pensado muito nas consequências.
Resolver os meus atrapalha os alheios.
Não quero encontrar tanta gente assim;
quanto mais gente, mais o assunto se repete.
Eu posso mudar tudo ao meu redor,
mas as pessoas não param de chegar.
Eu sou um problema isolado em mim:
sou pequeno no meu universo grande.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Projeto piloto da beleza


O amor é uma flor roxa

O amor é uma flor
seja roxa ou não
de qualquer cor
em qualquer coração
De cara corada
assim ela desabrocha
na letra mais letrada
ou na cara do trouxa
Seja indigente sem nome
seja nomeado sabichão
um morre de fome
d'outro é devorado o coração
Flecha sem rumo
semente desgarrada
mesmo o consciente de tudo
no amor é consciente de nada 

terça-feira, 22 de abril de 2014

Desejo preso às aspas

Desejar me afasta daqui
Vou ao encontro do sonho
O surreal é a anti-censura
Só a cabeça pode esconder um falo
O caminho não é de rosas
Deve ser feito de pedras
Não que seja de espinhos
Mas porque o ditado diz
Que bom é um mar de rosas
Ainda que nadar entre espinhos
Se torne pesadelo
Macia é a cama
Prefiro andar entre pedras

Os fiéis preferem os ditados já ditos
Os sonhos já sonhados
A liberdade de sonhar presa à cama
E as mesmas posições sexuais
Um desejo seguro para se conquistar
Sonhando dentro do possível
Construindo dentro do plano físico
Uma vida iluminada com luz artificial
Prendendo o coito no escuro
O coitado reduzido a sexo
À imagem e semelhança do deus coelho
Tentando não transcender
O que já é transcendental
Máquinas de fotocópias não sonham
Sonho o meu sonho sem reprodução

quarta-feira, 16 de abril de 2014

O impacto

Branco é o papel;
suja é a palavra.
Branca é a garça
de memória vazia.
Violência é insistir
em escrever
pra tentar prender
alguma coisa boa.
Fazer balé
é tirar o pé;
é tentar ser delicado.
Com que força
riscamos o papel
com a caneta
que jaz sem tinta!
Enquanto a garça
descreve levemente, 
em qualquer espaço,
o seu traço invisível
que nos guia os olhos.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Sem

Dê ao capitalista uma dor sem tamanho
Sem os ramalhetes de flores
Ou os chocolates nas datas
Tire dele as datas, os calendários
Tire os seus aparelhos modernos
Sem as rodas
Deixe que ele ande
Sem endereço
Sem as roupas caras ou baratas
Deixe-o às traças, entre as baratas
Tire dele o espelho e o perfume
Devolva a ele o seu cheiro original

Entre todos os cheiros do mundo
Todos os espelhos refletem as dores
Sem cortes

Ele voltou ao natural
Num mundo artificial
Ele, tão lúdico e poeta
Mundo duro e encapado
Ele, tão nu compositor
Mundo da verdade vestida
Ele vai recitando
O que o mundo já esqueceu  



quinta-feira, 10 de abril de 2014

Mesmo que por uma fração de segundo, era revolta!

Eu entendo a revolta.
Os meus jeans também se rasgam de impaciência.
Cortam a minha frente desrespeitosamente.
A minha buzina de insatisfação não chega a cortar.
Desafiam os fatos com pretensiosas opiniões.
Algumas opiniões são conhecidas como insultos.
Preenchem espaço precioso com preconceito.
Revolta só é válida quando o soco no muro é verdadeiro.
Não diga que me entende.
Uma pessoa é uma outra coisa.
Entenda a revolta.
A minha dor é o melhor exemplo do meu egoísmo.
As suas lágrimas não vêm do mesmo lugar que as minhas.
Sinta a sua própria dor, por favor.
Não diga que precisa de mim.
Admita que precisa do que sente por mim.
Fácil fantasiar sobre o amor quando não se ama.
Fácil fantasiar sobre o abandono quando se ama.
Difícil abandonar o amor quando o outro voltou a ser um indivíduo.
Somos indivíduos.
Ninguém merece a minha vida.
Quanto mais perto mais difícil.
A revolta intercala os momentos de felicidade.

Santa Tatuagem


quarta-feira, 9 de abril de 2014

Big bang

A ciência precisa dos seus meios
para ser cientificamente provada.
Já o universo, prova em um verso
ou dois que tudo precisa de nada. 

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Todo ouvidos

Talvez o gozo não tenha gosto
Talvez agora o açúcar amargue
Talvez o alívio não seja sopro
E nem toda surpresa agrade

A intenção é minha
O desejo é seu
Fazer do destino, sina
É pensar que você sou eu

Se fazer por você é válido
Ouvir deve valer o ouvido
Estribo, martelo, bigorna
Bigorna, martelo, estribo

Nem toda atitude é falada
Narração é colocada sobre a história
Respeito à história narrada
A quem ouve, merecida é a glória

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Amor entre espécies

Você, delicado instrumento de corda
Eu, tão rude quanto rocha
Posso ser envolvido nota por nota 
Enrolado nas cordas
Bruto só sabe lidar com assuntos brutos
Meu grito de amor é tijolo
E eu me atiro

Seu coração de corda musical vibra
Devolve as notas dissonantes que provoquei
Eu volto rolando peito abaixo
Retumbando a contra-música do amor impossível